
Quando eu era puto tinha um amigo.
Conhecidos eram vários, mas acho que amigo amigo era só mesmo um.
A mãe dele trabalhava com a minha madrinha e ele vivia umas casa mais acima de mim, portanto foi um conhecimento fácil.
O que a minha mente não percebia era que esse meu amigo tinha outros amigos.
Certo dia estava eu em casa dele, como era habitual, e chegou outro amigo, o Simão.
O Simão era alguém que ele conhecia da escola, filho de não sei quem que tinha uma loja de brinquedos, mas isso agora não interessa nada.
Lembro-me que esse meu amigo pediu ao pai dele para me dizer para ir pra casa...
Senti-me traído e abandonado e como puto que era, fiz birra.
O pai disse-lhe que ele é que era meu amigo e que ele é que me tinha convidado, portanto se ele não me queria ali, era ele que tinha que me mandar embora.
Eles provavelmente por serem putos também não me disseram nada e limitaram-se a ignorar-me... senti-me tão mal que fui-me embora e ainda levei uns dias sem aparecer outra vez.
É claro que, puto que era, tudo se esqueceu depressa e não foi muito tempo até voltar à rotina de tardes em casa dele ou na minha a brincar com GI Joes e soldadinhos e coisas assim.
Outro dia vi o Simão, cumprimentou-me como homem não-puto que é, e eu igual, na mesma posição.
Acho estranho que mesmo após tanto tempo, praticamente 20 anos, a única coisa que me veio à memória foi isto, o instinto que o Simão não é boa pessoa, que foi ele que me roubou o amigo... Racionalmente sei que a culpa não foi dele mas no fundo ainda senti aquela mordida de inveja.
Será que é por isto que eu faço a mesma coisa?
Eu não misturo amigos, não combino os colegas de trabalho com os colegas de escola, os vizinhos com a família... e embora não vá chamar o meu pai para pôr ninguém na rua, tomo o cuidado de não combinar coisas para os mesmos dias nem frequentar os mesmos sítios com pessoas diferentes.
Será que é deste episódio que vem esta compartimentação?