
No escuro da noite debaixo da fluorescência laranja dos candeeiros o mar não é azul.
Não lembra dias de verão, não lembra castelos de areia, não lembra riso e alegria.
Percebe-se porquê.
O mar não é azul, é negro. Nem a espuma que o cobre traz boas memórias.
Não é espuma de banho, com as suas brincadeiras de chapinhar na água, nem é espuma de maré, que convida ao mergulho.
Não, é uma espuma amarelada, encrespada, que lembra doença, lembra as bocas de cães raivosos, a promessa de um fim abrupto e doloroso.
Em dias assim o mar lembra morte.
Lembra destruição, lembra desastre... faz pensar que o fim chegou.
Não se sente chuva, não se sente frio, mal se sente o vento.
Mas o mar não para.
Está revolto, enraivecido. Galga a terra. Cobre o cais como se fosse só mais uma pedra, só mais um grão de areia.
Do muro que olha sobre a Silveira, quase parece que o mar está aqui, que não é preciso descer a escadaria, ou a rampa para o cais... Não parece estar dez metros abaixo, como tinha a certeza que fosse, parece que está mesmo à minha frente, basta um passo para o alcançar.
Do inconsciente primordial vem a vontade avassaladora de saltar, de me juntar a uma força maior. Felizmente a consciência ganha a batalha, as promessas sirénicas vencidas... pelo menos desta vez.
Em dias assim percebe-se... não sou ninguém e os deuses existem.
Não passo de uma insignificância, de uma formiga perante a força imparável do mar.
No cair da noite, trazido pelo vento, vem o medo.
A certeza indiscutível de que não sou poderoso, não tenho o controle.
Basta o mar querer e entregarme-ei a ele sem sequer ter tempo para pensar.
Em dias assim, percebe-se...
Em dias assim, tenho medo.