Fez ontem, quinta-feira, uma semana que perdi a minha avó.
É um acontecimento doloroso, indescritível e sem comparação.
Estas situações fazem sobresair o melhor e o pior das pessoas, fazem-nos ver o que realmente somos e não o que gostaríamos de ser. Mostra-nos com quem podemos contar e quem nos vai falhar nos momentos de necessidade.
Embora me mantivesse a par do seu estado de saúde, já fazia 5 anos que não via a minha avó, era doloroso demais para mim. Vê-la era encarar a relidade, que a vida acaba, que não duramos para sempre.
Depois da morte do meu avô, ela tornou-se um fantasma, uma sombra daquilo que era antes, deixou de ser aquela micaelense forte, de garra para não ser mais que um bebé, que precisava de ajuda para as mais fáceis tarefas, comer, lavar e tudo mais.
Perante este grotesco quadro de existência fiz o que qualquer cobarde faria, abstraí-me.
Convenci-me que o que eu estava a fazer era a mante-la na minha mente como ela foi e não como ela é. Queria guardar aquela imagem forte, irreverente, constante.
Não quis encarar o sofrimento, a prova de que a solidão destrói, de que a tristeza mata.
Quando recebi a notícia fiquei de rastos, tão que a minha primeira reacção foi de exclamar "o quê?", o que levou o meu pai, o portador da notícia a repetir, mais dolorosamente, que a minha avó, a mãe dele, tinha morrido. Senti-me culpado, poderia ter-lhe poupado essa dor naquele momento.
Fiquei sem saber o que fazer. Acho que se não estivesse acompanhado (estava com um primo meu, do outro lado da família, na altura) tinha-me ido abaixo.
Avisei a Mónica e os responsáveis do trabalho dela dispensaram-na imediatamente. Parece que isto das religiosidades pregarem a compaixão não se fica só pelas rezas, é mesmo para cumprir.
Avisei o hotel... falei com a directora de recursos humanos pela primeira vez, embora ela já cá esteja há algum tempo. Assegurou-me que não havia problema e que pouco depois me ligava a informar a que horas teria que me apresentar ao serviço.
Ligou-me dez minutos depois, se calhar nem tanto. Fiquei de regressar no domingo à noite, o meu horário normal.
Fiquei contente por saber que no meio da confusão, pelo menos teria um gostinho de normalidade, que seria como regressar de folga, foram só dois dias em casa, nada de mais.
A noite foi complicada, como aliás todos os velórios o são. Muito se riu e muito se chorou. Memórias recordadas, falou-se de promessas, imagens, momentos, costumes e tudo mais que marcavam a minha avó pelo que ela era, pela pessoa que foi, aos olhos de cada um.
Houve alguns contratempos, membros ausentes, mas nada que não fosse de esperar, numa situação tão delicada. Houve também surpresa na presença constante de pessoas que nunca julguei que o fizessem, ou pela sua distância à minha avó, ou pela imagem que tinha delas.
Acabámos por concluír a realidade, que foi melhor assim, que ela já só sofria, que pelo menos assim teria descanso.
Passou tudo como que envolto em névoa, rápido como se as horas se condensassem em poucos momentos.
Por volta das 5 , sentado nos degraus da funerária, acabei por adormecer. Fui pro carro, dormi no assento e acordei nem uma hora depois. Cheio de câimbras, como que por castigo. Devia ter ficado acordado, devia ter-me mantido de pé, como os outros.
Começaram a chegar as pessoas para o funeral. Recomeçaram as lágrimas, reabriram-se as feridas com a chegada dos que, com a intenção de prestar os seus últimos sentimentos, acabavam por relembrar o que a tanto custo tentávamos esquecer.
Chocou-me a hipocrisia da missa. Achei um ritual absurdo e desnecessário que em nada tinha de honrar o morto, mas tudo de louvar cristo e o papa e o bispo e sei lá mais o quê. Achei uma enorme falta de respeito perante a minha avó que tivéssemos ficado todos quase 5 minutos a ver o padre a comer o "pão" e beber o "vinho". Apeteceu levantar e discutir. Mas o que raio é que isto tem a ver com a minha avó? O que é que um gordo vestido de roxo a comer bolachas vai servir para dar paz à sua alma?
Achei um enorme absurdo que, para uma religião que visa não idolatrar figuras, Deus tenha sido muito menos mencionado que todos os outros retratados naquela cerimónia.
Fiquei surpreendido em ver que a minha irmã sabia de cor todas as rezas, todas as intervenções do "público".
Fui um dos portadores do caixão, como faria sentido ser... Dos presentes, o neto mais velho, filho do filho mais velho, fiz o meu papel quase com orgulho, ao lado do meu pai.
No fim de tudo senti-me vazio, esgotado. Queria dar um fim aquele episódio doloroso.
Segui do cemitério para casa, não me lembro da viagem.
É um acontecimento doloroso, indescritível e sem comparação.
Estas situações fazem sobresair o melhor e o pior das pessoas, fazem-nos ver o que realmente somos e não o que gostaríamos de ser. Mostra-nos com quem podemos contar e quem nos vai falhar nos momentos de necessidade.
Embora me mantivesse a par do seu estado de saúde, já fazia 5 anos que não via a minha avó, era doloroso demais para mim. Vê-la era encarar a relidade, que a vida acaba, que não duramos para sempre.
Depois da morte do meu avô, ela tornou-se um fantasma, uma sombra daquilo que era antes, deixou de ser aquela micaelense forte, de garra para não ser mais que um bebé, que precisava de ajuda para as mais fáceis tarefas, comer, lavar e tudo mais.
Perante este grotesco quadro de existência fiz o que qualquer cobarde faria, abstraí-me.
Convenci-me que o que eu estava a fazer era a mante-la na minha mente como ela foi e não como ela é. Queria guardar aquela imagem forte, irreverente, constante.
Não quis encarar o sofrimento, a prova de que a solidão destrói, de que a tristeza mata.
Quando recebi a notícia fiquei de rastos, tão que a minha primeira reacção foi de exclamar "o quê?", o que levou o meu pai, o portador da notícia a repetir, mais dolorosamente, que a minha avó, a mãe dele, tinha morrido. Senti-me culpado, poderia ter-lhe poupado essa dor naquele momento.
Fiquei sem saber o que fazer. Acho que se não estivesse acompanhado (estava com um primo meu, do outro lado da família, na altura) tinha-me ido abaixo.
Avisei a Mónica e os responsáveis do trabalho dela dispensaram-na imediatamente. Parece que isto das religiosidades pregarem a compaixão não se fica só pelas rezas, é mesmo para cumprir.
Avisei o hotel... falei com a directora de recursos humanos pela primeira vez, embora ela já cá esteja há algum tempo. Assegurou-me que não havia problema e que pouco depois me ligava a informar a que horas teria que me apresentar ao serviço.
Ligou-me dez minutos depois, se calhar nem tanto. Fiquei de regressar no domingo à noite, o meu horário normal.
Fiquei contente por saber que no meio da confusão, pelo menos teria um gostinho de normalidade, que seria como regressar de folga, foram só dois dias em casa, nada de mais.
A noite foi complicada, como aliás todos os velórios o são. Muito se riu e muito se chorou. Memórias recordadas, falou-se de promessas, imagens, momentos, costumes e tudo mais que marcavam a minha avó pelo que ela era, pela pessoa que foi, aos olhos de cada um.
Houve alguns contratempos, membros ausentes, mas nada que não fosse de esperar, numa situação tão delicada. Houve também surpresa na presença constante de pessoas que nunca julguei que o fizessem, ou pela sua distância à minha avó, ou pela imagem que tinha delas.
Acabámos por concluír a realidade, que foi melhor assim, que ela já só sofria, que pelo menos assim teria descanso.
Passou tudo como que envolto em névoa, rápido como se as horas se condensassem em poucos momentos.
Por volta das 5 , sentado nos degraus da funerária, acabei por adormecer. Fui pro carro, dormi no assento e acordei nem uma hora depois. Cheio de câimbras, como que por castigo. Devia ter ficado acordado, devia ter-me mantido de pé, como os outros.
Começaram a chegar as pessoas para o funeral. Recomeçaram as lágrimas, reabriram-se as feridas com a chegada dos que, com a intenção de prestar os seus últimos sentimentos, acabavam por relembrar o que a tanto custo tentávamos esquecer.
Chocou-me a hipocrisia da missa. Achei um ritual absurdo e desnecessário que em nada tinha de honrar o morto, mas tudo de louvar cristo e o papa e o bispo e sei lá mais o quê. Achei uma enorme falta de respeito perante a minha avó que tivéssemos ficado todos quase 5 minutos a ver o padre a comer o "pão" e beber o "vinho". Apeteceu levantar e discutir. Mas o que raio é que isto tem a ver com a minha avó? O que é que um gordo vestido de roxo a comer bolachas vai servir para dar paz à sua alma?
Achei um enorme absurdo que, para uma religião que visa não idolatrar figuras, Deus tenha sido muito menos mencionado que todos os outros retratados naquela cerimónia.
Fiquei surpreendido em ver que a minha irmã sabia de cor todas as rezas, todas as intervenções do "público".
Fui um dos portadores do caixão, como faria sentido ser... Dos presentes, o neto mais velho, filho do filho mais velho, fiz o meu papel quase com orgulho, ao lado do meu pai.
No fim de tudo senti-me vazio, esgotado. Queria dar um fim aquele episódio doloroso.
Segui do cemitério para casa, não me lembro da viagem.